terça-feira, 2 de abril de 2013

“Por uma Universidade Federal do Seridó”


Sabe-se que a Academia antecede ao próprio Cristo, pois data de 387 A.C e foi fundada por Platão, no bosque de Academos, próximo a Atenas. Porém, ela é uma instituição relativamente nova na sociedade brasileira. Em 1920, foi criada a Universidade do Brasil (hoje UFRJ) pelo Decreto Presidencial 14.343 para outorgar o título de “Doutor Honoris Causa” ao Rei Alberto I, da Bélgica – casado com a Rainha Elizabeth, sobrinha neta de Dom Pedro I – em visita oficial ao País. Há autores que retroagem à Universidade do Amazonas, datando-a de 1909, como sendo a primeira instituição universitária brasileira “stricto sensu”. No entanto, não detinha, à época, o status de oficial, ex-vi do Decreto-Lei 11.530, que autorizava somente o funcionamento de universidades em municípios com mais de 100.000 habitantes. Idêntica situação ocorrera em Curitiba, em 1912, com a Universidade do Paraná, constituída pela lei estadual 1.284.

O eminente jurista Miguel Reale, em discurso proferido no Conselho Federal de Cultura, na sessão em homenagem póstuma ao sábio potiguar Câmara Cascudo, proclamou: “O ministério público tem como missão ser o custos legis (sentinela da lei) e a universidade por dever tornar-se custos sapientiae (guardiã do saber)”. É certo que a expressão “universitas” tinha inicialmente significado sociológico (corporação de mestres e estudantes) e posteriormente recebeu também o sentido de “universitas litterarum” (totalidade dos conhecimentos e letras). Etimologicamente liga-se a um termo fundamental da linguagem e da filosofia humana: “universum" (o todo e suas partes) que, por sua vez, indica a profunda unidade da totalidade e da individualidade do ser. Na sua concepção original, deve ser um espaço, onde se encontram ideias, ideologias  e pensamentos diferentes. Caracteriza-se pela pluralidade de conhecimentos, voltados para a formação do ser humano e sua ação na sociedade. Trata-se, pois, de uma instituição pluridisciplinar para formação de profissionais de nível superior, de pesquisa, extensão, domínio e cultivo do saber humano.

Ela encerra necessariamente a interdisciplinaridade. Local privilegiado dos saberes universais e regionais. Ao longo de sua história, várias são as interpretações. Alguns a veem como mera instituição de ensino superior, produtora de diplomas.  Outros a caracterizam pelo ensino, pela pesquisa e extensão.  Tais interpretações indicam algumas de suas diversas funções. Seria pretensão querer, nesta oportunidade, apresentar uma definição precisa e abrangente da mesma. O termo vem de universal e reclama por uma visão ampla da realidade. É tão complexo quanto o é a própria natureza do homem. Dividir os seus papéis e privilegiar um em detrimento dos outros, é fragmentar o universo. Assim, não cabe, pois, separar a parte de seu todo. Ela é um “locus” de debates, oposições, ideias e pluralidades que convergem para o homem, “datado e situado num contexto social concreto”, segundo Kierkegaard. Constitui-se em espaço para onde acorrem múltiplas expressões do conhecimento e ali se cultivam os saberes universais e locais.

Denominar-se-á Universidade Federal do Seridó. E assim deverá ser sua constituição. Há delimitação geográfica, sociológica, cultural e antropológica. Devemos atentar para a semântica dos termos, isto é, do genitivo: “do Seridó”. Sem desatender aos ditames gerais do saber e da erudição, deverá voltar-se para a realidade daquela região, envolver-se com seu desenvolvimento e seus habitantes, preservar sua cultura e preparar quadros para o seu futuro. Não raro, deparamo-nos com instituições universitárias que não apresentam diferenciais. Em certos casos, quando analisamos catálogos dos cursos oferecidos, seus conteúdos, ementas e bibliografias, os encontramos pouco direcionados para o estado ou a região onde atuam. Há redundância de “saber e conhecimento”.

A universidade deve contemplar todo homem e o homem todo. Deste modo, não pode prescindir de analisar seus aspectos e dimensões nacionais e internacionais, regionais e locais, biológicos e intelectuais, bem como sua relação com a terra, a sociedade e o mundo. Necessitamos de uma instituição que pense, qualifique e promova o “homo seridoensis”. Os gaúchos, numa atitude de preservar e difundir suas tradições, sistematizaram o saber regional em cursos de nível superior sobre chimarrão, vinho e churrasco. Os mineiros aprofundam na academia seus conhecimentos sobre o queijo, a cachaça etc. E nós seridoenses, como preservaremos nossos bordados, minérios, nossa gastronomia e nosso solo? Temos história, cultura própria. A Universidade Federal do Seridó deverá levar em conta esses valores. Hoje uma instituição de ensino superior, que não apresente diferenciais, está fadada a desaparecer.

Vale salientar que nos empenhamos pela criação de uma universidade, no sentido pleno, para atender aos anseios e necessidades do Seridó. Só ela é capaz de ter autonomia suficiente para orientar, com segurança e solidez, seus cursos e saberes para a realidade de nossa região e sua problemática. Uma universidade federal é hoje credenciada através de lei, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Executivo. Centros universitários públicos, planejados e concebidos, de acordo com a legislação de regência, são instituições transitórias à espera de sua plenitude universitária. Além de sua fragilidade financeiro-orçamentária, jurídica, acadêmica e administrativa (apesar da competência para criar novos cursos), padecem de fortalecimento institucional. Criados por decretos presidenciais ou portarias ministeriais, poderão facilmente ser extintos ou transferidos por atos legais idênticos. Não pretendemos correr tal risco. Algo estatuído por lei federal, somente poderá ser supresso mediante ato específico do Congresso Nacional.

Eis a universidade que aspiramos e pela qual devemos lutar. Invocamos as luzes divinas e cremos que Deus virá em nosso socorro. Cabe-nos rezar, como o fazemos na liturgia das horas canônicas do Ofício Divino (antigo Breviário Romano) e nas novenas do passado: “Deus, in adjutorium meum intende. Domine, ad adajuvandum me festina” (Ó Deus, vinde em meu auxílio. Senhor, socorrei-me sem demora. cf. Sl 70, 1).

PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO
Assessor acadêmico da Faculdade de Filosofia e Teologia Dom Heitor Sales

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